quinta-feira, 19 de abril de 2012

Feixe de luz

       Volto pra casa na montanha. Estou cansado da subida, meus pés latejam de dor. O suor desce as minhas costas e molham a mochila pela parte de trás. Há quem pense que a subida não é tão difícil assim. Mas cada um tem uma perspectiva diferente sobre isso, e a minha, é que uma trilha dessas, não se sobe tranquilamente. Talvez pelo fato de que a cada passo, a mochila aumenta e o peso transporta a minha mente a um lugar de procrastinação e preguiça: gostaria de nunca ter começado a subir.
       Minha expectativa ao entrar na casa é grande: poderei descansar e contemplar quem me fez valer o esforço. Minhas angústias serão sanadas e minhas dores, curadas. Mas ao mesmo tempo, uma duvida surge: Será esse mesmo o final da minha trilha? Será que realmente encontrarei o que procuro?
        Para minha surpresa, me decepciono. Nada encontro na casa nem ninguém. E ao olhar para o céu, vejo apenas nuvens, nem mesmo um pôr-do-sol posso admirar. Eu sabia, desde o começo eu sabia de que nada valeria me esforçar tanto por uma utopia. Entro em uma crise de fé. Me prometera vitórias, e que no fim das contas, tudo cooperaria para o meu bem! Como posso confiar em um Ser que se diz Supremo, se nem suas promessas consegue cumprir? E o pior, tenho que sofrer por uma causa que nem tenho certeza se é válida!
       Após uma longa noite de insônia, finalmente caio no sono. Ali na casa vazia, somente com minha mochila do tamanho do mundo jogada no canto. Durmo um sono profundo e não sonho com nada, afinal, minha decepção me tira quase que por completo, minha esperança. Mais ainda sim, ela resiste.
      Acordo atônito. Quanto tempo passou? Ainda estou vivo? Entre a minha respiração ofegante, vejo um raio de luz que entra por uma janela que até então, não tinha visto que existia. Olho ao redor, minha mochila jaz aberta e todo o seu conteúdo está espalhado pelo chão. Minha primeira impressão é que teria sido um ladrão, ou uma criança peralta, mas logo me recordo, que estou no alto de uma grande montanha e que essa montanha, só existe em meu mundo. Sim, estou sozinho.
      Já não me lembrava das coisas que tinha guardado na mochila. Não me lembro de ter carregado tantas fotografias do meu passado! Uns livros velhos e um diskman, desses que não se vêem há anos. Musicas que me marcaram, fotos que retratam momentos inesquecíveis e é claro, literaturas que me ajudaram a ser a pessoa que sou. Entre as fotos, que vasculho com cuidado, encontro roupas de criança, brinquedos, carrinhos e bonecos, todos se foram a muito tempo, mas ainda sim, os carrego na mochila. Logo percebo que as coisas estão por toda a casa. Objetos da minha infância, presentes de amigos,  penduradas em pregos recém-colocados, encontro risadas, alegrias e festas. Num canto mais obscuro, que meu instinto me faz evitar, encontro tristezas, angústias e opressões. E a maioria delas, ainda cabem dentro do meu coração.
        Enquanto revia minha vida diante dos meus olhos, aquele raio de luz ficou um pouco mais forte. De longe o observava e imaginava que o dia estava ensolarado e bonito. Mas só imaginava. O fascínio pela minha própria vida me consumia e eu não mais conseguia desviar a atenção. Estava perdendo o dia belo que jazia lá fora.
       Aproveitava a luz do raio para ver como eu tinha me saído na vida. Até que não fui tão mal, apesar de sempre exigir de mim, mais do que eu podia fazer.Vi que afinal, tudo realmente tinha cooperado para o meu bem. Mas a tristeza ainda guardava um lugar especial no meu coração.
       Após ter revisado algumas vezes meu passado, resolvi por voltar ao presente. Fui até a janela e olhei para fora. Foi aí que vi o mais belo dia da minha vida. A paisagem de dentro da casa, nunca poderia ser comparada àquilo. Aves voando, animais pastando ao longe, árvores e mais árvores de diversas espécies enfeitando meu imenso jardim. Olhei para cima. O brilho do sol ofuscou os meus olhos, e foi então, que descobri um mistério que sempre me questionei.
         "É tudo vaidade! Que vantagem tem homem sobre todo o trabalho que realiza debaixo do sol?"
        Enquanto me preocupara com a minha própria vida, me esqueci do que havia lá fora. Minha própria vida fora a minha vaidade. Ao olhar para o feixe de luz, pude apenas ver com os olhos carnais, com a razão e, enquanto enxergava assim, não podia contemplar toda a obra da natureza, ou ao menos me apaixonar por uma poesia ou derreter por uma sinfonia. Havia perdido a noção de amar por amar demasiadamente a minha própria vida.
         Felizmente, o feixe de luz me chamou atenção e me fez olhar através dele. Pude sentir o calor do sol em meu rosto e ao olhar pela janela, admirar e compreender as obras que se fazem debaixo do sol. 
        E ainda mais eu compreendi. Mesmo que o dia estivesse feio e turvo, e o tempo não estivesse ao meu favor com nuvens espessas a bloquear minha visão ao adentrar a casa, o sol sempre esteve ali. Ele sempre esteve ali. Durante todo o meu percurso, durante toda a minha vida, Ele esteve ali.
       Essa casa na montanha não é mais meu destino final. É apenas um local de aprendizado. Meu destino final está ao lado dele. Lá em cima. Onde poderei ver face a face, aquilo que outrora nessa vida experimentei apenas como um feixe de luz.



Lucas Vizani

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