quarta-feira, 10 de abril de 2013

O fone e o velho

A música no fone de ouvido era alta. Eu estava em sintonia com um mundo paralelo ao real: o da minha playlist. Esperava o ônibus para o trabalho numa tarde fria na serra. O ônibus apontou na esquina da rua e eu percebi que estava cheio. Subi, paguei a passagem e percebi um lugar vago, apesar de terem passageiros em pé. Era ao lado de um velho.
Ele usava boina e bengala, bem típicos de um senhor de sua idade - devia ter uns 80 anos - e suas mãos, calejadas e disformes, seguravam uma pasta. O velho mexia a boca, mas como não podia ouvi-lo, julguei estar falando sozinho. Assim permaneci, apenas ouvindo a minha música, ao lado do velho.
Ao chegar no ponto final (eu não ia descer, o ônibus era circular), os passageiros formaram a fila de descida e, a minha música acabou. No meio tempo da troca de uma música para a outra, percebi o que o velho estava fazendo: ele cantava. Por uns breves momentos, percebi a sua voz, e tirei o fone do ouvido.
Parecia ter sido tirada de um velho LP de Cartola. A voz era carregada de experiência, sabedoria e transmitia a paz de uma vida inteira. Era muito afinada. Era linda. Era eterna. O velho desceu do ônibus, cantando. E eu, tentando guardar na memória o pouco que ouvi de sua voz.


E se era a voz de Deus? Nunca saberei, pois tirei o fone de ouvido tarde demais.

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