Já havia anoitecido. A praça começava a ficar cheia de gente, como é comum no inverno na cidade serrana. Não estava frio, apesar da noite carregar uma sensação nostálgica de um abraço gelado. Eu pensava, como sempre, nas questões da vida. Foi quando ela surgiu. Uma humilde senhora, que sempre passava por ali, vendendo uns quadrinhos mal-feitos por seu marido doente. Eles precisavam pagar o aluguel, por isso vendiam a míseros 2 reais cada quadrinho. Era visível a sua deficiência em se comunicar. Era engraçado seu jeito de falar. Era uma criança grande, pura em uma inocência preservada pela doença mental. Ela me ofereceu uma de suas obras. O marido desenhava e ela pintava. Enquanto eu admirava os traços de suas mãos trêmulas expressas no papel, ela falava de Deus. Falava com graça, da graça e de graça. De súbito, percebi que era como estar ouvindo um oráculo. Sua voz penetrou a fortaleza da minha alma. Eu não conseguia mais ficar sóbrio. O riso de sua presença me inundou e esbocei um sorriso tímido, mas verdadeiro. Era maravilhoso ouvi-la falar. Paguei pelo quadrinho, mal-feito à sua maneira. Ela disse que seu marido também tinha problemas, e aqueles desenhos eram fruto de sua mente inacessível para muitos. O quadro que escolhi era o de um helicóptero. Sua hélice em movimento formava uma cruz. O helicóptero olhava pra terra. Ali haviam árvores, construções e uma pirâmide. A sombra do helicóptero se projetava no chão, e lá no fundo, um pequeno sol tímido, se esforçava para iluminar o arcabouço de tal obra-prima. Acho que perdi a noção do tempo e fiquei ali, admirando a obra da humilde senhora. Ela agradeceu e saiu, proferindo bênçãos a mim. Me senti iluminado pelo pequeno sol que seu marido desenhou num pedaço de madeira. Não é a toa que Deus escolheu os loucos para confundir os sábios. Não é a toa que Ele se deixou ser desenhado e pintado pelas mãos de tão menosprezado casal.
Não é a toa que Ele resolveu falar comigo.
Nunca é a toa.
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