quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Heróis

Tec! Tec! Mais duas letras adicionadas na sopa de sua folha que, agora, começa a tomar forma de um livro. Ele prefere à moda antiga: escreve em uma máquina de escrever que ganhara de sua avó, a qual redigia, na época da guerra, um jornalzinho independente. Depois de digitar a primeira página, parou, suspirou e tentou imaginar o que aquelas teclas, agora um pouco enferrujadas, produziram de extraordinariamente rebelde em seus anos dourados - sua avó fora presa e marcada pelo exílio por ser uma militante.
Nunca conheceu seu avô - morreu antes mesmo de voltar para o país, ao lado de sua companheira de guerra - mas sabe-se de suas bravuras e feitos em favor do mais pobre - legado de todo herói do povo. Assim, recebeu no sangue e na memória, um legado de heroísmo, de luta e de dores.  Com apenas 11 anos, começou um pequeno jornal em sua escola e hoje, aos 20, se prepara para receber seu diploma de jornalismo pela universidade federal mais concorrida do país. Todos na faculdade já tinham ouvido falar de sua linhagem, e todos colocavam nele expectativas deveras incômodas (segundo ele) sobre seus ombros.
É bem verdade que nunca aprendeu nada na faculdade, e há quem diga, nem na escola. Sua capacidade, dizia ele, vinha "de dentro para fora", e nada do que tentavam ensinar, assimilava como verdade. "Já nasceu crítico!", uns diziam, e não era mentira.
O engraçado, é que seus avós eram admirados e louvados por suas críticas, e ele, rejeitado. Mais do que o legado da crítica, recebera o legado da rejeição. O jornalzinho na escola, era-lhe tacado na cara de vez em quando; Na faculdade, tinha de se virar para fazer os trabalhos sozinhos.
Perguntava-se o porque disso tudo. Lá dentro sabia a resposta, mas mesmo assim, queria ouvir de seu próprio pensamento, uma palavra de conforto. Seus pais, o desprezavam ainda mais. Quando criança, sua mãe teve de lidar com um mundo pós-guerra sem os pais, esses que, ela não entendia o porque, eram tão louvados hoje em dia por seus feitos. Seu pai, funcionava como um herói para sua progenitora: a tirara de uma vida miserável para morar na zona sul, de frente para a praia. Ele era general, e se sentia humilhado pelo filho que gerara. Resultado: o enviaram para morar com a avó, na serra, fato que o agradou até o ponto de seguir os passos da velha guerreira. Agora eram os dois.
Recomeçavam o jornal, que outrora inspirou gerações a se manterem firmes contra o sistema. Hoje, uma semana antes de sua formatura, começava a escrever um livro,desejava navegar por águas que sua avó não pode, explorar um novo mundo de palavras: a literatura e a poesia.
Carregado de ensinamentos de sua heroína, manuseia as folhas com cuidado. Dedilha as notas de uma velha máquina de escrever. Ainda com esses pensamentos, se pergunta porque é tão diferente dos demais, nunca entendera seu destino, mas o abraça como um náufrago abraça um pedaço de madeira num mar aberto de possibilidades.
"Torna-te quem tu és!" Lera em um dos livros preferidos de sua avó. E era isso que sempre almejou, que persegue com a determinação de um lutador no último round. Deseja viver o absoluto e, fazer de sua vida, uma obra de arte, para que seus filhos - seu maior sonho - possam ter orgulho do pai guerreiro.
O que não sabe, é que a luta esta apenas começando. Seu futuro, incerto, é de resistência a um novo sistema, ele, e tantos seguidores, a voz profética em um mundo de ditadura. Não terá filhos, mas isso não o impede de gerar esperança no coração da geração futura. Assim como sua avó, inspirará toda uma nação.
É sempre assim, suspira a velha antes de pegar no sono, os humilhados sempre serão exaltados, ainda que noutro tempo.
E o tempo, esse sim, revela quem são os verdadeiros guerreiros.

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