segunda-feira, 4 de março de 2013

Os gêmeos do caminho

Andava a muito tempo, não sabia dizer. Afinal, noção de tempo era uma das coisas que perdera quando começou a viagem. Em passos vagarosos, refletia na última lição aprendida. "Estamos no caminho, mas não somos dono dele", disse-lhe o velho em uma casinha na beira da estrada. De súbito, ocorreu-lhe a resposta ao enigma: "Estamos mas não possuímos, porque fazemos parte! Eu faço parte do caminho!". Agora tudo fazia mais sentido, e a neblina da ignorância começava a se dissipar em sua pequena mente.
Foi pensando nessas coisas que viu, ao longe, uma silhueta diferente. Não sabia dizer se era uma ou duas pessoas. Vinham na direção oposta da estrada e estavam correndo - pelo menos era o que parecia. Mas demoravam a se aproximar, apesar de seus pés correrem rápido. O viajante ficou espantado com aquele ser, ou seres, que apareciam a sua frente. Eram dois gigantes, e carregavam um imenso baú, um de cada lado. Tinham uma aparência jovem, apesar do tamanho de suas barbas. Mas o que mais impressionava, eram suas roupas e seus pés. Estavam vestidos, um de preto, outro de branco, mas as cores trocavam de lugar. Ora um era o de preto, ora o de branco, num ritmo descompassado. Como eram gêmeos, o viajante não sabia dizer se eles trocavam de lugar, ou somente as roupas que trocavam de cor numa velocidade quase imperceptível.
Os pés, eram ligeiros, e fazia parecer que estavam correndo, mas não avançavam. Era quase ridículo ver dois gigantes correndo sem sair do lugar. O viajante resolveu perguntar quem eram e, assim, deu-se início a mais um aprendizado.

 - Olá, simpáticos gigantes! Não pude deixar de reparar em vocês andando por essas estradas, posso me apresentar?
- Ele está vendo nós dois ao mesmo tempo? - perguntou o da esquerda ao irmão.
- Parece que sim! Finalmente encontramos alguém de bom-senso nessa estrada! - Respondeu o da direta.
- Por favor, senhor viajante, apresente-se a nós, que nos apresentaremos com prazer! - Disse-lhe o primeiro.
- Chamo-me Násser, estou viajando por esse caminho a algum tempo, e tenho encontrado muita sabedoria e beleza por onde quer que passo! Seria muito interessante conhecer um pouco sobre vocês!
- E ainda é simpático! - Exclamou um deles.
- Pois não, como podemos nos apresentar a você? - Disse o que agora estava de preto.
- Olha, temos muitos nomes, e nos apresentamos de acordo com a pessoa a quem dos dirigimos. - Disse o de branco.
- Pela sua língua e sotaque, diria que és brasileiro, e pelas suas vestes, um homem do século XXI, estou certo?
- Certíssimo! - respondeu Násser impressionado pela exatidão dos dados.
- Prazer Násser, meu nome é Destino! - Disse o da esquerda.
- E eu, o Acaso! - Disse o outro.

"Destino e Acaso! E são gêmeos! Quem diria!" pensou Násser.
Tinha que andar vagarosamente para trás, acompanhado o ritmo dos gigantes, que não paravam de correr. No princípio, achou que era falta de educação, mas depois percebeu que a corrida era involuntária.

- Prazer, Acaso e Destino! Poderia perguntar o que carregam nesse baú?
- Nesse baú? Ora, não sabemos!
- Apenas carregamos, sempre carregamos. - Respondeu-lhe os irmãos.
- Sempre?
- É, sempre! Desde onde nossa memória alcança! E olha que ela alcança muito longe!
- Desculpe-nos se estamos fazendo você recuar para falar conosco, é que não conseguimos parar de correr, não podemos!
- Sem problemas - Disse Násser - Mas porque vocês correm, se quase não saem do lugar?
- Não é que não saímos do lugar, você que não percebe o quanto já andamos. É uma questão de perspectiva!
- Exatamente! É como a Terra, ela se move a muitos Km por hora, mas você quase não percebe, porque você está nela!

De súbito, Násser lembrou de sua última lição. "Estamos no caminho!" E vendo os gigantes agora, entendia perfeitamente o que eles estavam falando e, a cada instante, se sentia menor perante o mundo que se estendia a sua frente.

- Que interessante! - Já estava se habituando com o troca-troca de cores.
- Interessante é você enxergar nós dois! - Disse o Acaso.
- É! A maioria só vê um de nós e acha que está vendo tudo! São bem prepotentes, sabe? - Desabafou Destino.
- Como pode ver, somos irmãos, e nada nos deixa mais irritado do que ser confundido um com o outro! - "Na verdade, é quase impossível não confundir!" Pensou Násser.
- Sempre tomam a parte pelo todo. Sempre acham que o Destino ou o Acaso são coisas diferentes, não percebem que somos gêmeos!
- Por isso trocamos de roupa o tempo todo. Que é pra ver se alguém percebe a semelhança entre nós.

Mal sabiam eles, que ao fazer isso, pioravam a situação, pois quem via apenas um deles, nunca poderia ser forçado a ver os dois, isso é algo que se aprende sozinho, cada um em seu próprio caminho. Ao trocar a roupa, garantiam que apenas um deles, ora levava o crédito, ora era desacreditado.

- Caro viajante, se nos permite lhe dar um conselho, nunca, mas nunca transforme a parte pelo todo! Faça isso apenas nas letras! Isso é um pecado gravíssimo! - Disse Destino.
- Gravíssimo!!!!! - Enfatizou Acaso com um tom de voz que parecia tirado de um filme de suspense.
- Sim senhores! Anotarei este conselho! - Aceitou de bom grado, Násser, que adorava conselhos e lições dos desconhecidos do caminho.
- Se nos permite, Násser, não queremos te atrapalhar em sua caminhada!
- Tens ainda uma longa distância a percorrer!
- Sem problemas, amigos! Foi um grande prazer conhecer vocês!

E com apertos de mãos, se despediu dos simpáticos gigantes que corriam e quase não saiam do lugar. Ao olhar para trás, para ver uma última vez os gigantes, percebeu que o preto e o branco se misturavam em um círculo, o que o fez lembrar de um antigo símbolo oriental que conhecera antes de iniciar a viajem. Passado algum tempo, percebeu algo estranho. Ao andar vagarosamente para trás junto com os irmãos, Násser avançara muito em seu caminho. Por algum motivo, a estrada pareceu andar pra trás, mais rápido que ele. E ao perceber isso, se lembrou de anotar em seu diário de bordo o novo conselho. Mas dessa vez, queria escrever de um jeito diferente, assim como diferentes eram os que o aconselharam. E rabiscou um poema que começava mais ou menos assim:

"Sinédoque..."

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