sexta-feira, 26 de abril de 2013

Navegadores e suas histórias


O quinto capítulo de Navigazioni fantastici de Giovanni Pondicherry conta a história de Pacanarus, um navegador tímido do século XVII. Pacanarus, com apenas um navio e alguns marinheiros inexperientes, descobriu uma ilha habitada por animais nunca antes vistos e um vulcão adormecido, no meio do pacífico. Alguns dizem que este fato inspirou Verne em seu livro "A Ilha Misteriosa", e que a ilha encontrada por Pacanarus, seria a Ilha Lincoln.
Desacreditado por todos os seus conterrâneos, o pequeno navegador não se deixou desanimar, e sempre falava: "Todo navegador, por mais que não tenha percorrido todo o oceano, sempre tem boas histórias pra contar." (Pág. 117, capítulo V) verbi gratia.
Não se sabe como, mas suas anotações de bordo posteriormente serviram para melhorar drasticamente o modo com que se realizava as grandes expedições do séc. XVIII.
Pacanarus é um episódeo desconhecido da História, mas não por isso, menos importante. A ironia da vida costuma rebaixar os grandes para que não se exaltem, e a seu devido tempo, sejam lhes conferidos a glória.
"Quem quiser ser realmente grande, precisa aprender a descer até a grandeza" disse Paulo Brabo em um de seus manuscritos. Essa é a máxima, a lei dos humildes.
Pacanarus morreu, não se sabe onde, não se sabe quando, mas sua pequena obra continua reverberando nos dias de hoje.

E não é isso que fazemos? Não precisamos de bons fatos para redigirmos bons contos!

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Horta

   Conta-se a história de um fazendeiro que resolveu cultivar um tipo estranho de hortaliças. Desenvolveu técnicas de manuseio e ganhou fama na pequena cidade em que morava. Diz, alguns, que suas hortaliças se perderam com o tempo, outros, que se misturaram por aí, entre todas as outras. Mas de todas as especulações, sabe-se, com certeza, apenas essa: ele cultivava estereótipos.
   Várias eram as espécies dessa estranha hortaliça e, o fazendeiro as separava para não se misturarem. De um lado, tínhamos estereótipos políticos, de outro, amorosos. Lá mais adiante, encontrávamos os de amizade e os de tribos. Dizem que sua fazenda era tão grande quanto o número de espécies de estereótipos existentes no mundo.
   Eram irrigados a suco de espada, conduzidos por veias e artérias que cortavam o chão, formando um imenso emaranhado vermelho.
  Vendia a quem interessasse. "Mas saiba", sempre dizia, "uma vez ingerido o estereótipo, nunca mais o deixará". O que ninguém sabia, é que com o tempo, o estereótipo viciava, e deixava o consumidor engessado à ideia que a hortaliça transmitia.
   Com o tempo, foi ganhando fama e dinheiro, sempre vendendo seus estereótipos. O fazendeiro ficou tão viciado em seu próprio produto que, conta-se, um dia enquanto cuidava de sua horta, seu coração pulou da boca e se plantou junto à eles. O fazendeiro morreu, ali mesmo, e nunca mais se ouviu falar de sua fazenda.
   A partir de então, o coração do fazendeiro, irrigado pelo suco de espada, se multiplicou e passou a procurar um novo dono, que carregue dentro de si, essa paixão pelos estereótipos.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Intransitivo

Como amo, 
Se não há quem amo,
É só amor
Que existe em mim?

Não há destino
Não há origem
Só a existência
Que é sem fim!

Sem objeto,
Não é direto
Nem indireto,
Mas cabe o afeto

Como amar
Se sou barco
A derivar
Em alto mar?

Mas Já não dizia nossa língua,
Que o Amor é subjetivo
Independe do predicado,
E faz do Amar,
Verbo intransitivo?

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O fone e o velho

A música no fone de ouvido era alta. Eu estava em sintonia com um mundo paralelo ao real: o da minha playlist. Esperava o ônibus para o trabalho numa tarde fria na serra. O ônibus apontou na esquina da rua e eu percebi que estava cheio. Subi, paguei a passagem e percebi um lugar vago, apesar de terem passageiros em pé. Era ao lado de um velho.
Ele usava boina e bengala, bem típicos de um senhor de sua idade - devia ter uns 80 anos - e suas mãos, calejadas e disformes, seguravam uma pasta. O velho mexia a boca, mas como não podia ouvi-lo, julguei estar falando sozinho. Assim permaneci, apenas ouvindo a minha música, ao lado do velho.
Ao chegar no ponto final (eu não ia descer, o ônibus era circular), os passageiros formaram a fila de descida e, a minha música acabou. No meio tempo da troca de uma música para a outra, percebi o que o velho estava fazendo: ele cantava. Por uns breves momentos, percebi a sua voz, e tirei o fone do ouvido.
Parecia ter sido tirada de um velho LP de Cartola. A voz era carregada de experiência, sabedoria e transmitia a paz de uma vida inteira. Era muito afinada. Era linda. Era eterna. O velho desceu do ônibus, cantando. E eu, tentando guardar na memória o pouco que ouvi de sua voz.


E se era a voz de Deus? Nunca saberei, pois tirei o fone de ouvido tarde demais.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A Verdade.

"Todos nós temos um anjo. Um guardião que zela por nós. Nunca sabemos a forma que vão tomar. Num dia, um velho, no outro, uma garotinha. Mas não se deixe enganar pela aparências: podem ser ferozes como qualquer dragão. Mas não estão aqui para travar nossas batalhas, mas para falar suavemente aos nossos corações, nos lembrando de que somos  nós.
Cada um de nós mantém o controle do mundo que criamos. Podemos negar que nossos anjos existem, convencer-nos de que não podem ser reais. Seja como for, eles aparecem. Em lugares estranhos e de formas estranhas. Podem nos falar através de qualquer personagem. Gritam através de demônios se for preciso. Nos confrontam, e nos desafiam a lutar."
Sucker Punch

No dia que comemoramos a trapaça, as brincadeiras e tudo aquilo que simula a verdade, eu realmente gostaria de ver que tudo não passou de uma grande mentira. Mas não. Fui convocado, junto com todos vocês, a lutar. Pela liberdade. Pela vida. Pelo amor. E pela verdade.
Podemos não ser donos do nosso destino. Mas ele certamente depende de nós para se fazer existir.
Lute, pois o tempo é chamado Hoje.
E o amanhã será de Paz.


1° de abril de 2013.