terça-feira, 25 de junho de 2013

Recesso

Todo escritor- ou aspirante - precisa de um tempo pra poder voltar a viver. Afinal, a letra mata.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O quadrinho

Já havia anoitecido. A praça começava a ficar cheia de gente, como é comum no inverno na cidade serrana. Não estava frio, apesar da noite carregar uma sensação nostálgica de um abraço gelado. Eu pensava, como sempre, nas questões da vida. Foi quando ela surgiu. Uma humilde senhora, que sempre passava por ali, vendendo uns quadrinhos mal-feitos por seu marido doente. Eles precisavam pagar o aluguel, por isso vendiam a míseros 2 reais cada quadrinho. Era visível a sua deficiência em se comunicar. Era engraçado seu jeito de falar. Era uma criança grande, pura em uma inocência preservada pela doença mental. Ela me ofereceu uma de suas obras. O marido desenhava e ela pintava. Enquanto eu admirava os traços de suas mãos trêmulas expressas no papel, ela falava de Deus. Falava com graça, da graça e de graça. De súbito, percebi que era como estar ouvindo um oráculo. Sua voz penetrou a fortaleza da minha alma. Eu não conseguia mais ficar sóbrio. O riso de sua presença me inundou e esbocei um sorriso tímido, mas verdadeiro. Era maravilhoso ouvi-la falar. Paguei pelo quadrinho, mal-feito à sua maneira. Ela disse que seu marido também tinha problemas, e aqueles desenhos eram fruto de sua mente inacessível para muitos. O quadro que escolhi era o de um helicóptero. Sua hélice em movimento formava uma cruz. O helicóptero olhava pra terra. Ali haviam árvores, construções e uma pirâmide. A sombra do helicóptero se projetava no chão, e lá no fundo, um pequeno sol tímido, se esforçava para iluminar o arcabouço de tal obra-prima. Acho que perdi a noção do tempo e fiquei ali, admirando a obra da humilde senhora. Ela agradeceu e saiu, proferindo bênçãos a mim. Me senti iluminado pelo pequeno sol que seu marido desenhou num pedaço de madeira. Não é a toa que Deus escolheu os loucos para confundir os sábios. Não é a toa que Ele se deixou ser desenhado e pintado pelas mãos de tão menosprezado casal.
Não é a toa que Ele resolveu falar comigo.

Nunca é a toa.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Tempos de guerra

Homens nascidos em tempos de guerra, são homens de guerra. Eles insistem em levantar, obstinadamente, -como se fossem nascidos pra aquilo - todo o tipo de bandeira que julga representar um determinado grupo de pessoas. Oh quão difícil é, aqueles que conseguem ser homens de paz em tempos de guerra!

O muro de espelho

Lembro-me: foi a muito tempo. Naqueles dias de cheiros suaves de terra molhada, que a gente nunca esquece mas, infelizmente, supera: a infância. Ficava na margem do nosso mundo, o tal muro. Na verdade eram dois: Um muro infinito, preto e outro, perpendicular a este, formado por um imenso espelho - também, praticamente infinito. O muro preto tinha nome: muro da Verdade, o de espelho, não.
Eu morava numa casinha simples, perto da fronteira. Aqui na cidade dizem que só os miseráveis moram perto dos muros. É verdade, infelizmente. Mas o que quero relatar aqui, foi o que me aconteceu numa manhã de verão - não me lembro o ano - algo que eu carregaria pro resto da vida e, talvez seja exatamente por isso, que estou onde estou.
O muro preto, como o nome já sugeria, era o fim. Não existia um dono do muro. Ele simplesmente sempre esteve lá, desde que o homem se entende como homem. Para depois do muro vamos todos um dia. Ninguém sabe a sua hora, mas todos sabemos que vamos. Sobre a Verdade, não tenho muito o que falar. Me detenho apenas sobre o outro muro.
Existia um tabu entre os que viviam na fronteira, que nunca deveríamos nos olhar no grande espelho. Ele podia revelar coisas sobre nós. Mas, como sempre fui um curioso, resolvi tirar minhas próprias conclusões.
Naquela manhã, fui me olhar no espelho. Ele era velho, cheio de manchas e musgos, quase não era mais um espelho. Resolvi conversar comigo mesmo. Esbocei umas poucas palavras e, após um tempo, uma voz respondeu. Ela veio de dentro do espelho e não era o meu reflexo falando. Era outra pessoa a qual eu não via, apenas ouvia. 
Seu nome, Zahir. Era outro garoto, como eu. Foi tanto um espanto para mim, quanto para ele. Conversamos por toda a manhã: a amizade foi instantânea. Passamos a conversar todos os dias. Ali nascia uma amizade cega, mas que sabia ouvir muito bem.
Começamos a nos perguntar o porque de existir aquele muro. Ambos entendíamos o muro da Verdade e, em ambos os mundos, existia a ideia do "lado de lá". O que não fazia sentido era aquele maldito espelho.
Certo dia ouvi dizer de um cara que, com tantos outros, foi o responsável pela construção do muro. Logo pensei: "Nem sempre foi assim". Contei minha descoberta para Zahir e ele começou a pesquisar sobre no seu próprio mundo. Após um bom tempo, descobrimos o nome do sujeito que, desse lado, era conhecido como João C. Do lado de lá não tinha nome (ou nunca soubemos).
João e tantos outros, foram os responsáveis pela construção do muro. Na verdade, descobrimos ainda mais. O muro foi reconstruído. Antes, era conhecido por outro nome: "Véu". Mas essa história não me cabe contar. Por um tempo, vivemos em comunhão - o lado de cá e o lado de lá. Quando cresci foi que descobri que os adultos sabiam sobre o outro lado. Todos sabiam. E o tabu se formou, porque pensava-se que aproximando do espelho, poderíamos ser contaminados com o lado de lá. Veja, tudo isso porque existia o maldito espelho, porque o tal do João resolveu separar as coisas. 
Acabei encontrando uns textos do João. Ele se denominava um escolhido e, chamava todos os que viviam do lado de cá de predestinados. Nunca entendi muito bem essa coisa toda. Somos homens, tanto os de cá, quanto os de lá. E todos nós estaremos juntos pra lá da Verdade. Concluí que o que João dizia era um pecado, uma segregação. Zahir com o tempo acabou se esquecendo da nossa amizade. Nunca mais o ouvi.
O tempo passou, cresci, resolvi trilhar o tal caminho. Talvez seja por isso tudo que estou aqui, relatando essas coisas. Não lamento por estar preso, sei que um dia terá fim e isso não tardará. Talvez amanhã mesmo eu saia por aí.

Násser estava certo. Após uma breve semana, o chefe da guarda o liberou por bom comportamento. Ainda faltava muito caminho para ele trilhar.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Pequeno Parênteses

    - Olhe a cor dos meus olhos. Como estão? - Ele perguntou.

    - Estão verdes, como sempre! Por que? - Ela indagou, curiosa.

    - Pra você estão verdes. Pra mim, estão castanhas. O Olho não é o espelho da alma? Pois então, sua alma consumiu a minha a ponto de eu quase não saber mais quem sou. E meu olho reflete, pra mim, essa nova alma: Você.





Se apaixonar faz bem à alma.



domingo, 2 de junho de 2013

Monocromático

O espectro flutuante dos espelhos me remetem a tons de cinza. As únicas variações que meus olhos alcançam segue um ritmo descompassado e sem graça. Como uma máquina de escrever velha, digito as manchas negras de um coração abatido, ferido. Se cicatrizou, posso apenas conjecturar, fato é, que as coisas perderam seu brilho - por um bom tempo.
Mas é aí que as coisas acontecem. É preciso uma vida monocromática para aprendermos a dar valor a todo o espectro de cores. O arco-íris só é belo pra quem aprende o seu valor, que não pode ser comprado nem adquirido por forças próprias: ele é um presente. E a vida, por mais que a maioria não acredite, costuma presentar aqueles que aprendem isso. Não sou digno, nem fiz por onde merecer mas, por já ter corrido atrás com minhas próprias forças, sei o quão valioso é receber tão linda dádiva.
Ontem, escrevia sobre uma pilha de cinzas. 
Hoje, consigo ver o pote de ouro no final do arco-íris.