quarta-feira, 29 de maio de 2013

Confissões

- Sabe, tenho que confessar. Sou louco. Sério. Eu não falo sozinho, se é o que está pensando. Todo mundo fala sozinho, eu não. Eu travo, sem mexer os lábios, uma conversa mental, com ambiente e tudo. Está lá, eu, numa mesa de escritório com um ar superior de mestre, mas que de certa forma é simpático. Mas não sou eu, é esse outro.  Ele fica o tempo todo lá, mas só fala quando quer. E eu ouço e aprendo. É assim mesmo: ele fala, eu ouço, e aprendo o que ele acaba de me ensinar. Balanço a cabeça, literalmente, quando ando na rua, em sinal afirmativo. Logo após, assimilo a ideia contida na conversa.
É a primeira vez que escrevo isso, assim, bem explicado. 

- Parabéns pela iniciativa! É um bom começo para aceitar o fato! Mas não precisava ter me incluído na narrativa!

Redenção

   - Ele mora no ar condicionado 27 - disse o porteiro.

   É que naqueles tempos, depois da crise mundial, os apartamentos eram definidos pelo número de seu ar condicionado, acessório essencial em um planeta que beirava os 60º C em dias quentes.

   - Obrigado! - agradeci, mostrando um sorriso amigável, o que fez com que o porteiro esboçasse uma espécie de amigável reciprocidade a muito tempo esquecida.

   Subi. A sala do ar condicionado 27 ficava a uns 7 lances de escada. Bati na porta, com o suor escorrendo por todos os poros do corpo. O tempo estava ameno em relação aos outros dias mas, mesmo assim, meu corpo ainda não se habituara ao calor excessivo daquela época.

   - Quem é você? - perguntou o experimento 1 ao abrir a porta, com a rispidez típica dos humanos pós-guerra.

   É verdade. Ele não me esperava. Como poderia? Minha missão era suicida, mas era exatamente por ser assim, que iria funcionar. John era seu nome. O primeiro de muitos que seguiriam a ideia. Alguns rejeitaram, outros, traíram. Mas de qualquer forma, se somente UM mantivesse a ideia dentro de si conservada, a coisa iria dar certo. 
   Já não sei quantos anos passaram desde a minha visita aquele povo triste. Fato é, que apesar das muitas tentativas de apagar a minha missão, a ideia se manteve intacta, ela ganhara vida própria com a morte de seus precursores. Se no final vai dar certo? Espero que sim. Quem sabe eu volte para lhes lembrar outra vez, como tantas vezes eu o fiz. Apesar de tudo, eu amo esses humanos.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O universo na garrafa

Eis que vi uma porção do universo. Eram galáxias, aglomeradas em algum campo visível do espaço sideral. Estavam em fluxo, em um movimento espiralado, seguindo duas faixas maiores que nunca se encontravam. Todo esse complexo estava dentro de uma garrafa translúcida. A garrafa fora aberta, e o precioso universo se via escorrendo para fora dela. O líquido, com todos os mistérios ainda não revelados, era depositado em uma tinteira, da qual o Escritor tirava a tinta de sua pena, e começava a escrever um enorme livro. Do livro saía um marcador e, na extremidade inferior deste marcador, estava o inefável, o grande nome impronunciável que detém todo o poder. Esse livro gerava vida, que crescia de suas páginas seguindo o mesmo movimento espiralado do universo. Eram duas faixas, que carregavam em si, todas as informações da vida, e geravam a árvore. E foi dessa árvore que eu, Násser, experimentei, e pude enfim relatar do que vi.

Logo após, acordei, e dei início a minha caminhada.


Dia 1 de muitos que ainda virão.





Tento, quem sabe, dar vida a um ou dois textos que o universo reservou para mim.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Nota sobre um tempo

  De vez em quando - se não sempre - flerto com a ideia de que o tempo é uma falácia. Quem acompanha esse ínfimo blog sabe bem disso. Nessa ideia plausível absurda, o passado e o futuro são apenas projeções - tudo o que existe é o eterno presente, que volta a si mesmo continuamente. De igual forma, não existem seres, apenas Ser.
  Nesta conjectura, imagino, sobre aquelas que costumam arrebatar meu coração à distância: Quem sabe, não somos amantes numa outra percepção temporal disso que chamamos universo?
  Disso não posso nada afirmar, apenas projetar. E como projetor, estou sujeito às imperfeições de meus pixeis.
  De qualquer forma, ainda que eu não exista, infelizmente, sou Lucas.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Lua

Maldita Lua
Que de cima
Traz alma tua
E banha minha sina

Num banho, nua
Despe-me a calma
Reluze crua
Forja-me casa

Arrebata-me
Junto aos céus
Mata-me
Rasgue o véu

Ilumine a noite
Afasta escuridão
Me traz à corte
Abre meu coração.

Bendita Lua.


Noite bela
De esperança.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Menor

De todos os nomes que me dão
Estou farto
Aprendi no parto
Que pobre não tem solução

Sou problema
Dilema
Digno de pena
Só quando cumpro a pena da prisão

Bandido
Assassino
Ladrão
Vagabundo

É só meu pé imundo
Que caminha pelo chão

De todos os nomes que me dão
Nenhum expressa a verdade
Sou menino sem idade
Num país sem educação

Enquanto você vivia
Fui o filho da sua hipocrisia.


Pra que debates, 
se  o senso comum já bateu o martelo?

terça-feira, 7 de maio de 2013

A Biblioteca de Babel

Borges, em La biblioteca de Babel (Ficciones, 1944), flerta com a ideia de que a torre de Babel, na verdade, seria uma enorme biblioteca que contém todas as informações e possibilidades do universo e da mente humana - uma concatenação de tudo -, e que o ser capaz de decifrar todos os volumes de todos os livros contidos nessa biblioteca seria, na verdade, o Deus.
A narrativa bíblica, por sua vez, conta que os homens antigos resolveram construir uma enorme torre que tocasse os céus, que chegasse às nuvens, e fizesse do homem, um ser inefável. Essa torre, fruto megalomaníaco da mente coletiva humana, seria a intenção de aprisionar Deus em uma obra feita pelos homens, ou seja, o entendimento teológico pleno, uma "kabbalah perfeita" que contém todos os mistérios do universo.
Não vejo porque não entender as duas visões, a bíblica e a de Borges, como sendo entonações diferentes para uma mesma metáfora. Para mim, claramente, dizem da mesma coisa.
Mais o mais interessante disso é a sua analogia contemporânea: no nosso tempo, o homem, em sua megalomania de conquistar a Verdade, resolve construir uma enorme biblioteca de conhecimento, que abrange todas as conquistas da inteligência em um único local que, ironicamente, chamamos de nuvem. Ainda tem aqueles que brincam como a ideia nem tão inocente, de que o Google seria Deus.
A grande falácia, talvez, seja pensar que tudo isso é novidade.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Duetos para a vida

Sê de tudo o que faz
A qual sede tudo traz

Com a paz em todo o canto
Coma o pranto que em ti desfaz!

E se Amar não for o bastante,
Jogue ao mar o que antes não bastar!

Desapegue!
Venha e pegue a ti mesmo

O Universo já escreveu,
Em um só verso o que é teu!